O álcool acompanha a humanidade há milênios com enredos em diferentes civilizações que utilizavam as bebidas tanto para fins recreativos, quanto religiosos. O consumo abusivo de bebidas alcóolicas também tem registros igualmente antigos e causa evidentes prejuízos à saúde física e mental. Geralmente, o álcool é ingerido com o propósito de mudar nosso estado de humor ou mental para melhor. De fato, essa substância química pode aliviar temporariamente tensões, sentimentos ansiosos, gerar prazer ao nosso corpo e nos manter animados. No entanto, em consumo moderado e por pessoas saudáveis.
Segundo o estudo Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), 32% da população brasileira bebe de forma moderada, e 16% tem um comportamento de consumo nocivo de álcool, ou seja, que causa algum tipo de prejuízo para a pessoa no aspecto físico, mental, familiar, profissional ou social. Esta nuance no hábito de consumo demonstra uma relação com a Síndrome de Dependência do Álcool, o alcoolismo. É importante destacar que no referente à saúde mental, o alcoolismo é um fator que contribui para o surgimento de transtornos e comumente esta condição coexiste com outras doenças psiquiátricas.
Além disso, o consumo regular do álcool altera a química do cérebro, especialmente modificando o funcionamento dos circuitos de serotonina, GABA, glutamato e dopamina, interferências essas envolvidas com os processos de depressão e de transtornos de ansiedade. É então que se inicia um processo cíclico quando, diante da depressão ou da ansiedade, a pessoa bebe para alterar este estado e aliviar a sensação.
PADRÃO COMPORTAMENTAL
Em um quadro de dependência, a bebida se torna a prioridade em detrimento de outras atividades cotidianas e laços sociais. Há um desejo descontrolado, irresistível de consumir bebidas alcoólicas. Com o consumo contínuo, o indivíduo se torna tolerante e sente a necessidade de consumir doses crescentes de bebida, em busca dos efeitos que originalmente eram obtidos com doses mais baixas. Há um abandono progressivo de interesses, atividades ou prazeres, ficando a vida cada vez mais concentrada na bebida. Mesmo com todos os prejuízos sofridos, a pessoa continua bebendo e vive num ciclo guiado pelo álcool.
Em caso de diminuição ou interrupção do consumo, aparecem sintomas físicos e psíquicos de abstinência. A síndrome de abstinência caracteriza-se por tremores, sudorese, aumento da pulsação, náuseas, insônia, agitação, ansiedade; em casos mais graves podem ocorrer convulsões e alucinações.
DETECÇÃO
Profissionais da saúde utilizam questionários que ajudam a levantar a suspeita de Problemas Relacionados ao uso de Álcool (PRA). O considerado mais simples, e mais utilizado, é o CAGE. A sigla é em inglês e se refere às quatro perguntas que são formuladas:
- Você já tentou diminuir ou cortar (“Cut down”) a bebida?
- Você já ficou incomodado ou irritado (“Annoyed”) com outros porque criticaram seu jeito de beber?
- Você já se sentiu culpado (“Guilty”) por causa do seu jeito de beber?
- Você já teve que beber para aliviar os nervos ou reduzir os efeitos de uma ressaca (“Eye-opener”)?
Se pelo menos uma resposta a essas perguntas for afirmativa (“sim”) há suspeita de problemas com o álcool. Duas ou mais respostas afirmativas são indicativas de problemas com o álcool.
Outro questionário é conhecido como Brief-MAST (Teste de Detecção de Alcoolismo de Michigan, versão breve). Consiste de 10 perguntas, com respostas “sim” ou “não”, que recebem pontuação. Se a soma dos pontos for menor ou igual a 3 não há problema com bebidas alcoólicas, se for 4 é sugestiva de alcoolismo e se for igual ou maior que 5 indica alcoolismo. Veja:
- Você se considera uma pessoa que bebe de modo normal? (Sim=0, Não=2)
- Seus amigos ou parentes acham que você bebe de modo normal? (Sim=0, Não=2)
- Você já foi a algum encontro dos Alcoólicos Anônimos (AA)? (Sim=5, Não=0)
- Você já perdeu amigos/amigas ou namorado/namorada por causa da bebida? (Sim=2, Não=0)
- Você já teve problemas no trabalho/emprego por causa da bebida? (Sim=2, Não=0)
- Você já abandonou suas obrigações, sua família ou seu trabalho por 2 ou mais dias em seguida por causa da bebida? (Sim=2, Não=0)
- Você já teve delirium tremens, tremores, ouviu vozes, viu coisas que não estavam lá depois de beber muito? (Sim=2, Não=0)
- Você já procurou algum tipo de ajuda por causa da bebida? (Sim=5, Não=0)
- Você já foi hospitalizado por causa da bebida? (Sim=5, Não=0)
- Você já esteve preso ou foi multado por dirigir embriagado? (Sim=2, Não=0)
TRATAMENTO
O tratamento é complexo, mas existe e é possível. O primeiro passo, evidentemente, é a conscientização do dependente e a interrupção total do uso de bebidas alcoólicas. É possível fazer a desintoxicação em casa, no entanto, casos mais graves precisam de acompanhamento médico contínuo em unidade hospitalar. Durante este processo, é feita a avaliação e o tratamento dos danos físicos e mentais decorrentes do álcool. A abstinência deve ser total e completa, uma “bebidinha” pode comprometer toda a terapia.
Há alguns medicamentos que podem ajudar a manter a abstinência, os quais devem ser prescritos com uso acompanhado pelo médico. A psicoterapia é essencial e cumpre um papel fundamental na recuperação. Ela auxiliará o paciente na busca pelos motivos que o levam a beber e na resolução dos conflitos que permitem uma estruturação mais madura, capaz de lidar com as adversidades sem precisar se refugiar na bebida. Fazer parte de grupos de auto-ajuda como o Alcoólicos Anônimos (AA) também são muito importantes na recuperação.

Texto excelente, e achei os questionários especialmente interessantes 🙂
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