Precisamos falar sobre as consequências da violência doméstica na saúde mental das mulheres

No mês em que se completam 15 anos da Lei Maria da Penha, colocamos em debate quais são as consequências psicológicas nas mulheres vítimas de violência doméstica. Estudos de Universidades brasileiras indicam que os principais problemas sentidos pelas vítimas são depressão, ansiedade, transtorno  do estresse-pós traumático, fobias, ideação suicida, desânimo, irritabilidade, baixa autoestima, sentimentos de culpa, inferioridade, insegurança, vergonha, isolamento social, dificuldade de tomada de decisão, dependência ao extremo, hábito de fumar, uso de álcool e falta de concentração. 

Em 2020, segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, foram registradas 105.821 denúncias de violência contra a mulher nas plataformas do Ligue 180 e do Disque 100. Devido uma mudança nos protocolos do sistema de denuncias, não é possível realizar um comparativo com anos anteriores. No entanto, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública destaca que o regime de isolamento social durante a pandemia impacta severamente na vida de mulheres que vivem em situação de violência doméstica por aumentar o contato com o agressor.

Uma característica pouco considerada nas manifestações de violência, quaisquer que sejam, é o abuso psicológico. Este aspecto está presente em todo o ciclo de violência e é um artifício utilizado pelo abusador para favorecê-lo. Frases como “você não entende nada!”, “você é louca!”, “você não é capaz”, são ditas para diminuir a mulher e fazê-la duvidar da própria memória, percepção e sanidade. É preciso levar em conta todas as minúcias de uma relação abusiva, pois a desconsideração pode causar sintomas psicossomáticos graves e irreversíveis. 

Veja alguns sinais de abuso psicológico:

  • O abusador sempre faz a vítima acreditar que não é merecedora ou é boa o suficiente para algo
  • Confunde a vítima com elogios e depois retoma o comportamento agressivo
  • Nega os fatos e faz a mulher questionar a própria sanidade
  • Cai em contradição. Diz uma coisa e faz outra
  • Isola a mulher dos parentes e amigos, geralmente os argumentos envolvem dizer para a vítima que ela não é querida ou que as pessoas não são dignas de sua companhia.

Essas são alguns comportamentos que minam a autoestima e fortalecem crenças que induzem a mulher viver numa realidade distorcida pelo abusador. Diante disso, é comum também que a mulher passe a se sentir culpada e pedir desculpas excessivas, justificar a postura do abusador, se sentir infeliz ou sentir que mudou e não é quem gostaria de ser. 

Formas de buscar ajuda

Ninguém deve aceitar esse sofrimento. O primeiro passo é ter consciência que vive numa situação de abusos e violências para assim buscar ajuda, sobretudo médica, jurídica e assistencial. Os especialistas ajudam a vítima a perceber o abuso com mais nitidez. No caso clínico, é importante tanto buscar um médico para o cuidado com o físico, como para o psicológico e emocional. Neste artigo, foram destacadas algumas das consequências psíquicas decorrente de violência doméstica, mas é imprescindível que um psicólogo ou psiquiatra estude o caso para tratar da forma mais adequada. 

Canais governamentais como o Disque 100, o Ligue 180, o canal no WhatsApp pelo número (61) 99656-5008 e o Telegram “Direitoshumanosbrasilbot”, são algumas formas de denunciar o agressor de forma segura. Outra medida tomada recentemente é a Lei do Sinal Vermelho, que incentiva mulheres a denunciarem a violência doméstica mostrando um “X” escrito na palma da mão. 

O luto sem perda: melancolia pode ser traço de depressão

No século IV a.C., o médico grego Hipócrates, considerado o pai da medicina, iniciou estudos sobre a personalidade melancólica e formulou a teoria dos quatro humores. Durante a Antiguidade greco-romana, a palavra ‘humor’ era relacionada a uma coisa úmida, um líquido, ou fluido. Em latim,’humor’ significa bebida ou líquido corporal. Sendo assim, a teoria desenvolvida por Hipócrates considerava 4 fluidos corporais — sangue, fleuma, bílis amarela e bílis negra — como determinantes da saúde do organismo. Se bem humorada, a pessoa estaria com fluidez de bons líquidos em seu interior. Atualmente, a palavra humor indica a disposição da afetividade de alguém. 

O significado primário da palavra melancolia é “bílis negra”, que  corresponde aos fluidos corporais frios e secos. Conforme o entendimento de Hipócrates, as pessoas com excesso de bile negra apresentariam um comportamento marcado pela tristeza e temor, além de olhar fixo no infinito e perda do apetite. Séculos mais tarde, o psicanalista Sigmund Freud descreve a melancolia como um luto sem perda, uma patologia que necessita de tratamentos específicos. 

Hoje, a melancolia pode ser tratada como tipificação de um transtorno de humor. O diagnóstico pode vir na forma de depressão melancólica devido às particularidades em comum aos dois estados. No entanto, eles se diferenciam principalmente pelo grau de intensidade e pelos possíveis sintomas associados. Outro ponto importante é que a melancolia também pode se apresentar como um temperamento, caracterizado pela introversão, grande sensibilidade e tendência ao isolamento, não configurando um problema em si, desde que não ocasione prejuízos sociais, profissionais e afetivos. 

Melancolia, tristeza e depressão

As semelhanças entre melancolia, tristeza e depressão podem confundir um diagnóstico. A melhor forma de diferenciá-los é analisar parâmetros como: duração, intensidade e fatores relacionados.

A tristeza é um sentimento, um afeto derivado da ideia de um mal presente ou idealizado. É uma reação psíquica diante de situações de perda, adversidades  ou frustrações. A duração é de algumas horas ou até poucos dias. Já a depressão é um transtorno em que há alterações neuroquímicas, podendo ou não ter um fator externo motivador. Ela afeta sono, apetite, libido, concentração, conteúdo do pensamento e, se não for tratada, prejudica a vida da pessoa como um todo. 

A melancolia, por outro lado, não teria comprometimento do raciocínio. Esse transtorno é mais especificamente sobre uma tristeza ininterrupta. O envelhecimento, por exemplo, é um fator que favorece o surgimento da melancolia. Quando o sujeito sofre com um acúmulo de perdas de conexões sociais, reflexões sobre sonhos não realizados e frustrações de uma vida pode desencadear um estado perpétuo de apatia, uma melancolia severa que pode levar à depressão. 

Como tratar

O acompanhamento psicoterápico e psiquiátrico é essencial para o rastreio mais assertivo desses sintomas. O tratamento pode envolver medicação para melhorar o humor, mas o acompanhamento com o psicólogo pode fornecer ferramentas para o enfrentamento da melancolia. Uma rotina de atividades físicas, meditação e boa alimentação são também cuidados que colaboram para a manutenção do equilíbrio físico e mental. 

Por que sofremos?

Em inúmeras correntes filosóficas, obras literárias, doutrinas religiosas e também na Ciência o sofrimento emocional humano é objeto de indagação. A definição etimológica de “sofrer” se refere à capacidade de suportar, tolerar, passar por. O livro cristão, a bíblia, formador de bases éticas e morais de uma parte da população, encara o sofrimento como uma virtude que eleva o espírito para perto de Deus. Já para o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, a dor e o sofrimento não são necessariamente ruins. Paradoxalmente, o filósofo propõe que o “remédio” para a dor é a própria dor. 

Aqui, está fora de questão romantizar o sofrimento emocional. O que precisamos é saber reconhecer o que nos causa dor psíquica, entender em que nível aquilo nos atinge e como podemos encontrar formas de atravessá-la.   

Sentimentos como tristeza, angústia e frustração constituem a estruturação emocional de um indivíduo desde a primeira infância. A forma como somos educados emocionalmente influencia diretamente na maneira com que lidamos com nossos sentimentos ao longo da vida. Muitas vezes, o que precisamos é “trocar de casca”, reavaliar verdades e métodos, ou seja, lançar  constantemente um olhar analítico sobre nós. 

Até assim, uma coisa é certa: sofreremos também nesta busca por sanar sofrimentos, já que precisamos nos desprender e o próprio crescimento é doloroso. Sobre isso, o rabino e psiquiatra Abraham Twerski lança o questionamento: “Como cresce uma lagosta?”.

A lagosta é um animal com uma composição frágil, mas ela vive em uma carcaça muito rígida que envolve seu corpo. Essa casca grossa é muito boa e a protege de ataques. Todavia, é uma superfície que jamais se expande e não se adapta ao crescimento da lagosta, causando assim, grande desconforto. 

Como a lagosta pode se desenvolver num casco rígido, limitado e desconfortável? Twerski diz: o crustáceo escolhe um lugar seguro e nada para debaixo das pedras, onde se liberta do invólucro e espera o crescimento de outro que seja compatível com seu novo tamanho. As lagostas repetem esse processo quantas vezes for necessário, sempre que o desconforto for experimentado por elas. 

Com essa reflexão podemos fazer analogia com os nossos momentos de tensão, estresse e adversidade. Eles podem sinalizar para uma necessidade de reavaliação e mudanças sobre aquilo que nos aprisiona e causa dor. Fato é que a vida é uma alternância de felicidades e tristezas. O psicólogo Cristiano Nabuco pondera: “Muito embora todos nós fujamos da dor e do desconforto emocional, apenas essas situações terão a força e o poder de abrir as janelas de conexão com o que há de mais profundo em nós mesmos.”. 

Enquanto humanos, já entendemos o básico: sofrer faz parte da nossa condição. O que precisamos, a partir disso, é buscar ferramentas para desenvolver nossas habilidades emocionais. E, apesar de ser um processo individual, quase nunca é possível resolver sozinho. Essa constatação atenta para a importância de se buscar um acompanhamento psicoterápico qualificado que auxilie na condução dessas dores. O sofrimento psíquico pode ser progressivo e a sua persistência pode desencadear desequilíbrios neuroquímicos, ocasionando transtornos mentais como depressão, transtorno de ansiedade generalizada, entre tantos outros, que terão indicação de intervenção medicamentosa com assistência do psiquiatra.

Banalização de doenças mentais na internet dificulta diagnóstico e gera desinformação

Com a expansão do diálogo nas redes sociais sobre transtornos psiquiátricos  e saúde mental , a linguagem se alimenta de termos clínicos para se referir a situações cotidianas. “É bipolar”, fala-se para qualquer alteração de humor, “estou depressivo” quando na verdade está passando por um sofrimento circunstancial, ou “ela tem TOC” só porque a pessoa é metódica. Estes são exemplos de banalizações de doenças cujos sintomas são permanentes e incapacitantes. 

Parte dessas colocações inapropriadas se deve à exigência de que as pessoas apresentem sempre a sua “melhor forma” socialmente. Isso faz com que oscilações naturais do  comportamento humano e muitas emoções negativas sejam encaradas como problemas inaceitáveis que devem logo ser erradicados. A banalização se torna mais perigosa ainda quando indivíduos saudáveis são incapazes de entender a intensidade  do sofrimento de quem realmente  enfrenta algum transtorno mental.

A facilidade de acesso a informações, criações de conteúdo e memes sobre temas como depressão e tantos outros quadros psiquiátricos  ajudam a diminuir o estigma de assuntos sensíveis como esses, mas podem contribuir para disseminar informações desqualificadas. Além disso, um outro efeito comum é achar que por saber características e sintomas de determinadas doenças, a pessoa tem domínio para o autodiagnóstico.

Aqui no site já trouxemos a problemática do autodiagnóstico em textos anteriores. Leia também:

Glamourização 

Outra face da banalização e estigma dos transtornos mentais é a abordagem glamourizada e romantizada dada em produções de mídias audiovisuais. É comum dentro de uma narrativa, o personagem com transtorno mental viver um grande amor que o cura ou ter um desfecho mágico e repentino. Essas coisas não são experienciadas na vida real. Diagnóstico e tratamento para transtornos mentais são individualizados e precisam de  acompanhamento sério e responsável por parte do psiquiatra e do psicólogo,  sendo muitas vezes necessário o uso de medicamentos, adequação de doses e até mesmo combinação entre substâncias diferentes, além de uma dedicação ao processo psicoterápico. 

Depressão atingirá mais pessoas

Enquanto a sociedade custa em acolher com seriedade as doenças mentais, em outra camada, o sofrimento cresce. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os transtornos mentais serão a principal causa de incapacidade  no mundo em 2030. Atualmente, a organização avalia que 300 milhões de pessoas no mundo estejam incapacitadas pela depressão. Além disso, cerca de 60 milhões de pessoas no mundo sofrem com transtorno afetivo bipolar. Já a esquizofrenia afeta em torno de 23 milhões de pessoas em todo o planeta.